1. Quando se fala em “Agenda 2030” a esmagadora maioria das pessoas não faz a mínima ideia do que se trata.

Num exercício simples, rápido, questionei um grupo de 30 pessoas acerca da referida temática, mais precisamente com a pergunta: “o que é a Agenda 2030”? Era tudo “gente formada”: estudantes universitários, recém licenciados e respectivos pais, também eles, sem excepção, licenciados nas mais diversas áreas e na sua grande maioria integrados no mercado de trabalho. Do referido grupo, apenas dois elementos responderam, vagamente, que era um conjunto de objectivos (reduzir a pobreza, a fome, igualdade, proteger o planeta…) que a ONU pretendia implementar nos países a nível global. Um outro grupo de três elementos respondeu que era um conjunto de reuniões da ONU para acabar com a fome e a pobreza. Finalmente, a maioria (transversal a todos os grupos referidos inicialmente), nem sequer de tal temática tinha ouvido falar. Ainda que este “inquérito” não tenha qualquer pretensão científica serve, ainda assim, para nos dar uma ideia da reduzida informação e conhecimento que até pessoas, supostamente informadas sobre aspectos básicos da nova vida colectiva, lamentavelmente não têm.

Ou seja, foi construído, desenhado, idealizado todo um programa de objectivos, metas, estratégias, propostas, com um impacto global tão significativo na vida dos povos, dos países, das culturas, das comunidades, das famílias, da pessoa comum e a generalidade da população nem sequer ouviu falar. Será possível que tal acontecimento não suscite qualquer tipo de preocupação, dúvida e desconfiança e não gere a necessidade urgente de informação, de esclarecimento e aprofundamento?

Ninguém vai estar contra a erradicação da pobreza, da fome, ninguém estará contra a redução da mortalidade infantil, da saúde materna, ninguém se oporá à protecção da natureza. Então, quem é que promove esta agenda? São pessoas, empresas, países, é a própria ONU? Estas perguntas têm de ser feitas, pois qualquer iniciativa global implica gastos astronómicos de milhões e milhões de dólares. De onde surgiu tudo isto? Que interesses esconde? Quais as grandes fundações, quais as grandes empresas multinacionais e da Comunicação Social que a suportam e financiam? Quem elegeu estas excelências que produzem documentos e com eles decidem como vai ser o futuro, como vai ser a vida das pessoas? Quem lhes deu o poder para decidir sobre a vida das famílias do mundo, sobre as nações, suas culturas e identidades próprias? Tudo isto nos convida, no mínimo, a analisar, a reflectir, a tentar perceber o que está em causa. Se, por um lado, não devemos cair numa atitude insensata, paranoica, psicótica, também não devemos cair numa simples atitude de ingenuidade primária ou na típica irresponsabilidade do “deixa andar”. Temos o dever de conhecer e aprofundar o tema, de levantar dúvidas e inquietações, preocupações básicas e elementares sobre o que é, então, esta A2030.

2. O que é a A2030?

A agenda 2030 é um conjunto de 17 objectivos “macro”, todos eles idealizados, desenhados e projectados no âmbito da ONU, no ano de 2015. Estes objectivos têm como referência três grandes vetores orientadores: o Desenvolvimento Sustentável, a Justiça Social e a Ecologia. Estes 17 objectivos macro, culminam de um conjunto de 169 metas, as quais serão uma espécie de etapas prévias que, ultrapassadas, conduzirão, finalmente, à consecução do respectivo objectivo principal. A A2030, contudo, não apareceu exactamente no ano de 2015. A A2030 teve um processo percursor denominado os “Objectivos do milénio”. Ou seja, antes dos objectivos da A2030 já tinham sido definidos, no ano 2000, 8 grandes objectivos gerais. A ideia era, então, que os mesmos fossem cumpridos até ao ano 2015. A saber: 1 – Erradicar a pobreza extrema; 2 – Educação básica para todos; 3 – Igualdade de oportunidades para Homens e mulheres; 4 – Reduzir a mortalidade infantil; 5 – Melhorar a saúde na maternidade; 6 – Avançar na luta contra o HIV e outras doenças; 7 – Garantir um meio ambiente são e seguro; 8 – Alcançar uma sociedade global para o desenvolvimento. Ou seja, em 2000 definiram-se objectivos, os “Objectivos do milénio”, os quais deviam ser concretizados até 2015. Contudo, em 2012, 2013 percebeu-se que muito dificilmente seriam, os mesmos, cumpridos. Havia então que alterá-los, modificá-los, redireccioná-los ou ajustar estratégias e metas. As opiniões entre países dividiam-se.

Após muitas negociações passou-se, então, dos 8 objectivos do milénio para os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Defenderam, pertinentemente, algumas delegações, que se não se conseguiu cumprir os 8 “objectivos do milénio“, qual o sentido de se aumentar o compromisso para 17 objectivos + respectivas 169 metas intermédias? (no mínimo estranho…). A saber: 1 – Erradicar a pobreza; 2 – Erradicar a fome; 3 – Saúde de qualidade; 4 – Educação de qualidade; 5 – Igualdade de género; 6 – Água potével e saneamento; 7 – Energias renováveis e acessíveis; 8 – Trabalho digno e crescimento económico; 9 – Indústria, inovação e infraestruturas; 10 – Reduzir as desigualdades; 11 – Cidades e comunidades sustentáveis; 12 – Produção e consumo sustentáveis; 13 –Acção climática; 14 – Proteger a vida marítima; 15 – Proteger a vida terrestre; 16 – Paz, justiça e instituições eficazes; 17 Parcerias para a implementação de objectivos. Estes são os 17 Objectivos de desenvolvimento sustentável que depois se desdobram, então, em 169 metas, distribuídas por cada um desses mesmos objectivos.

Referia, em entrevista, a jurista Neidi Casillhas, consultora da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos) que “Todas as batalhas que estamos enfrentando nos nossos países, chame-se Aborto, chame-se Eutanásia, chame-se Género, chame-se Orientação sexual, chame-se Identidade de género, chame-se Educação sexual para crianças… tudo isto foi pensado e ´cozinhado´ nestes organismos”. Não será isto um motivo de preocupação? Para além da ONU, que outras instâncias, outros poderes estão presentes? Quais são esses poderes? Porque aparece o apoio de outras grandes instituições? Que pretendem essas instituições que têm frequentemente um poder político e económico global, e um poder mediático imenso? Não é por acaso que a organização “Planned Parenthood”, a maior organização mundial (não só nos EUA) na promoção do aborto, tenha conseguido um estatuto de órgão consultivo, adquirindo uma espécie de credencial de acesso à ONU e às suas reuniões, desde 1970. A “PP” percebeu as vantagens e o leque de possibilidades que se abria ao entrar numa organização como a ONU, a partir da qual poderia divulgar e promover a sua agenda abortista à escala global (193 países da ONU ou 35 da OEA).

3. A Nova Ordem Mundial (NOM) e a Igreja Católica

Ao darmo-nos conta do alcance da A2030 percebemos que estamos perante algo cuja natureza transcende o meramente regional ou nacional. Quando percebemos que estamos perante acontecimentos e mudanças à escala global; quando nos confrontamos com uma realidade mundial, temos de admitir, quer gostemos ou não, que estamos perante aquilo a que se convencionou chamar, então, “Nova Ordem Mundial” (ou desordem… ).

É cada vez mais evidente que há uma clara pretensão de influenciar e impingir, à escala global, um conjunto de novos valores, uma nova antropologia humana, em última análise uma “nova” civilização, cada vez mais, a pleno céu aberto. E se existe uma entidade supranacional, uma organização “macro”, uma superestrutura que a nível mundial adquire a capacidade e o poder para decidir a vida dos povos, das nações e culturas, então, chamem-lhe o que quiserem, estamos perante um “Governo Mundial”. Deixemo-nos, portanto, de dizer que tudo isto é uma conspiração paranoica de católicos conservadores e tradicionalistas.

Quem, por outro lado, não se identificar com este Governo Mundial? Quem não estiver de acordo com metas, objectivos, estratégias, poderá fazê-lo? Eu quero alimentar-me de uma  determinada maneira, ou eu não quero que eduquem os meus filhos assim. Poderei fazê-lo? Há espaço para as pessoas que têm opiniões diferentes? Há pessoas que são canceladas, outras vítimas de um linchamento mediático, outras que através de instrumentos legislativos, foram proibidas de exercer a sua profissão. O que se vai passar com aqueles que pensam que a espécie humana é basicamente constituída por homens e mulheres, sexo masculino e sexo feminino, respectivamente? O que se vai passar com aqueles que pensam que o casamento deve ser apenas entre homens e mulheres? O que se vai passar com aqueles que são contra o aborto e contra a eutanásia? Vai tudo isto ser possível? Quem não se identificar com esta espécie de pensamento único, será penalizado? Já há sinais preocupantes, nomeadamente nas ajudas económicas condicionadas aos países mais pobres. Através do FMI e outras instituições financeiras de alcance global, pretendem impor-se determinadas agendas específicas. Ou seja, as ajudas económicas, particularmente aos países mais pobres, estão condicionadas pela aceitação e adesão a novos valores. Se os países mais pobres, com a “corda na garganta”, querem usufruir de apoios e ajudas terão então de que aceitar a abertura a tais valores do novo milénio (temas como o aborto, a homossexualidade, a eutanásia, a família, a educação). Caso contrário, são excluídos do sistema financeiro, o que representa, na prática, a morte lenta de um país.

O Cardeal Herrera, numa das suas reflexões acerca da agenda 2030, diz: “A Agenda 2030 tem a aspiração a um Globalismo ético conforme um novo modelo civilizatório. Há a intenção de estabelecer uma nova ordem mundial que deixe de fora muitas instituições, particularmente aquelas que têm cunho cristão”. É preocupante.

4. A Igreja Católica e A2030

Constituirá motivo de preocupação a Igreja não se ter pronunciado sobre o tema ou, pelo menos, tê-lo feito de forma discreta e ao de leve? Será criticável a forma como, alegadamente, assumiu os objectivos desta agenda global? Frequentemente, pretende-se alinhar a igreja com teorias conspirativas, com a ideia de que está metida nas “agendas” globais. Haverá razões para tal? A Igreja Católica, através do Observador permanente da Santa Sé na ONU, pronunciou-se de forma clara (talvez o devesse fazê-lo de forma ainda mais clara) relativamente à Agenda 2030, referindo que existem metas e objectivos da mesma muito positivos, havendo outros, contudo, que estão em clara contradição com a antropologia bíblica e a fé cristã. Há, então, pretensões desejáveis que devem ser implementadas e outras negativas, indesejáveis. O Papa Francisco pronunciou-se a favor da A2030 mas fê-lo em temas muito específicos, como por exemplo a protecção da natureza, o cuidado com a vida humana, a indesejável desigualdade e injustiça que continua a proliferar um pouco por toda a parte, o drama da fome e da pobreza que afecta tantas regiões do globo. Parece claro, portanto (seria talvez bom que fosse ainda mais claro) que não se pode colocar a Igreja nem o Papa Francisco no grupo dos que, acriticamente, subscrevem e aplaudem a A2030.

Para a Igreja Católica, dizia recentemente sobre este tema o Padre Munilla: “Mais grave do que a agenda abortista, mais grave do que a ideologia de género, é a exclusão de Deus; ignorou-se a dimensão transcendente do Homem”. Já dizia o profético Chesterton: “Remover o sobrenatural não nos vai conduzir ao natural; vai conduzir-nos ao antinatural“. É o sobrenatural que sustem, que é a base do natural; ao retirar-se o sobrenatural, não vamos, como defendiam muitos, ao encontro do natural mas sim do antinatural. Confrontemo-nos com os dados da realidade: vivemos como se Deus não existisse, retiramos Jesus Cristo da equação e tropeçamos nos resultados; eles estão à vista e entram-nos pelos olhos dentro: agora, finalmente, somos livres; temos o direito ao suicídio, ao aborto, à autodeterminação de género. Ou seja, retirámos finalmente o sobrenatural e, curiosamente, não nos encontrámos com o natural, encontramo-nos, sim, com o antinatural (ora bolas!).

A Igreja Católica considera muito grave que nesta A2030 não se fale de Deus, não se fale sobre Liberdade religiosa, não se fale sobre a Família (a família não tem, vá se lá saber porquê, nenhuma menção). A Igreja Católica considera que A2030 parte de uma antropologia materialista. Mas a Bíblia diz-nos que “Jesus crescia em estatura, em sabedoria e em graça”, referindo-se, precisamente, às três dimensões interdependentes do ser humano: a física, a psíquica e a espiritual. As três, de forma integrada, não separadas. Jesus deseja o bem integral do Homem, não apenas a sua dimensão física ou psíquica. Esta agenda de natureza materialista está a ser implementada nas escolas, nas universidades, na cultura, nos media, na política, nas artes, no desporto. Isto é tão óbvio (excepto para alguns idiotas-úteis, muitos deles lamentavelmente católicos) que podemos dizer que está em curso uma espécie de “religião de estado”, como um substitutivo da civilização judaico-cristã. Será uma espécie de “religião” horizontal, onde se fala muito de ética, de direitos humanos, da mãe terra e de separar o lixo; será uma espécie de “religião” horizontal, onde se recolhem vários elementos consensuais das novas espiritualidades contemporâneas e, finalmente, retira-se Jesus Cristo da equação, preservando, na melhor das hipóteses, o Jesus dos postais, de cabelo comprido, barba aparada, de tipo revolucionário; preservando, na melhor das hipóteses, o Jesus hippie, “peace and love”, contra a lei e a tradição, propagandeado pelos media, pela cultura contemporânea e tão bem aceite dentro de alguns círculos católicos. Claro que a Igreja Católica é a favor do fim da fome (não fosse a mesma, desde sempre, a maior instituição caritativa do mundo) mas, mais uma vez nos diz Jesus Cristo: “Nem só de pão vive o Homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Ou seja, Jesus ama-nos na integridade (não somente na materialidade) do nosso ser; Jesus deseja o nosso bem integral, o qual a A2030 ignora (quando não o nega mesmo). Quando se fala unicamente em “fome de pão”, não se compreende a natureza do Homem e os seus anseios de plenitude. Podemos dar solução a todas as necessidades básicas e imediatas do ser humano e, ainda assim, ele não ser feliz. Veja-se os países com elevados níveis de desenvolvimento e bem-estar e, ainda assim, tanta miséria moral, tanta gente infeliz, tantas depressões, tantas vidas sem sentido, tantos suicídios.

Face à proposta de Liberdade como bem absoluto, de Igualdade, da Igualdade de género, da Autodeterminação do Homem como valor supremo… a igreja defende, como meio para atingir a plenitude, que o que nos faz felizes não é a liberdade absoluta, a igualdade (igualdade sim, mas em dignidade), a autodeterminação; o que nos faz felizes é a Comunhão. O que nos faz felizes é o amor; não é ter mais poder, mais autoridade, mais bens, mais domínio; o que nos faz felizes não é a liberdade como valor absoluto, não é a mera igualdade, a autodeterminação. Sou, finalmente, livre para me suicidar; mas isso não me torna mais feliz, o que me torna feliz é a Comunhão.

5. A Iniciativa Privada, questão preocupante na A2030

Toda a linguagem da A2030 é uma linguagem de tipo burocrático, estatal, universal e global, frequentemente “mascarada”, subtil, enviesada. Essa mesma linguagem oferece um grande contributo para a eficácia da implementação da própria A2030. No fundo, a capacidade para regular e controlar a vida de povos, nações, culturas, identidades, pessoas. Num mundo plural, de diversidade cultural, filosófica, religiosa, empresarial, surge, então, a inevitável pergunta: o que se vai passar com a iniciativa privada? Alertava-nos um importante estudioso do tema: “Procure-se, neste amplo documento que é a A2030, onde está a iniciativa privada? As iniciativas pessoais e particulares só existem para acomodar-se a este objectivos gerais, ou seja, eles só podem existir se concorrerem para os grandes objectivos previamente definidos. Na prática, quer dizer que muitas iniciativas privadas não vão poder existir”. Há, portanto, uma lógica uniforme, homogénea, global, apresentada com uma linguagem suave, “descafeinada”, de aparente razoabilidade (quem não é contra a fome ou a pobreza?) mas que, na verdade, transforma a pessoa num mero número, num simples indivíduo ao serviço de uma espécie de rolo compressor do sistema. Mantem-se, então, a pergunta: onde ficam as liberdades individuais? Onde fica a iniciativa privada?

6. A Manipulação da Linguagem na A2030

Ao longo de todo este processo, a substância, os conteúdos, os próprios conceitos foram mudando; já não se fala de saúde infantil e saúde materna, agora fala-se de saúde e bem estar geral. No Objectivo 4 fala-se em Educação de qualidade; é apelativo, mas o que se entende por educação de qualidade? No Objectivo 5 já não se fala de Igualdade entre Homem e Mulher, fala-se agora em Igualdade de Género (género é um conceito essencialmente ideológico, com uma agenda oculta). Em 1994, na Conferência de População e Desenvolvimento, no Cairo, começou-se a falar de Direitos sexuais e de Saúde sexual e reprodutiva. Alguns países opuseram-se, pois eram expressões “novas” que não estavam contempladas no Direito Internacional. Havia, por outro lado, acordos, contratos, cláusulas, tratados já assinados e confrontavam-se, agora, os países, com uma nova linguagem, ambígua, desconhecida, enviesada. Não queriam, legitimamente,  vincular-se a obrigações perante algo que não estava bem explícito, claro e transparente. Os países estavam, então, muito preocupados com esta nova linguagem, a qual tinha sido “lançada” no início da década de 90 do século XX. É muito comum, neste tipo de organizações como a ONU, a introdução de uma linguagem nova, “mascarada” (termos, expressões, vocábulos) que a pouco e pouco, de maneira mais ou menos forçada, mais ou menos “negociada”, vai acabar por impor uma agenda com certos interesses particulares, mais ou menos explícitos, mais ou menos perceptíveis, mais ou menos lógicos e racionais. E porque é que tudo isto não é uma mera e simples questão de linguagem? Porque a partir daqui, na Conferência sobre População e Desenvolvimento em 1994, no Cairo, começaram-se a criar uns supostos novos direitos humanos. Aqui começa todo este processo. Um ano depois, em 1995, na Conferência sobre a Mulher, em Beijing, lança-se a palavra “género”. Mais uma vez, ninguém sabia do que se tratava, não havia qualquer definição do conceito, mas, ainda assim, pelas razões referidas anteriormente, foi ficando. Os anos vão passando, a palavra vai sendo forçada, usada, manipulada, até que passa a ser normalizada, passa a linguagem acordada, convencionada, assente. Na prática, passa a fazer parte dos documentos internacionais. E, como refere a jurista Neidi Casillhas, especialista em Direito Internacional, consultora da ONU e da OEA, e por isso mesmo, presente em múltiplas destas reuniões: “Tal não está correcto, é totalmente ilegal pois está-se a violar a soberania e a vontade dos países quando se uniram a esses tratados”.

Continua a mesma jurista, “Todas estas novas ideias, novos conceitos, com origem nas conferências de 1994 e 1995 (Cairo e Beijing), eram muito recentes, não podendo ser propostas e implementadas de imediato e por isso mesmo não foram contempladas na agenda dos 8 Objectivos do milénio definidos, apenas, 5 anos depois (em 2000); era cedo demais; era preciso ir devagar, a pouco e pouco. Era cedo para se falar de igualdade de género, era cedo para se falar de educação sexual e saúde reprodutiva”.

Ou seja, estes 8 objectivos do milénio, definidos inicialmente, foram uma espécie de “ponta de lança”, eles vieram a constituir a base a partir da qual foi possível, então, evoluir para outro “patamar”. Já não se fala, agora, em igualdade entre Homem e Mulher, fala-se em Igualdade de Género; já não se fala, agora, de Educação em geral, fala-se de uma Educação onde a Ideologia de Género é um tema constante. É assim, desta forma, que toda esta agenda se vem desenvolvendo e implementando nos países. Claro que não nos opomos às grandes propostas e objectivos gerais da A2030, os quais são desejáveis para qualquer ser humano razoável. Mas por detrás de toda esta linguagem, frequentemente manipulada e forjada, está toda uma agenda política e ideológica (e por isso mesmo tão criticável, como qualquer outra) à qual ninguém pode ser obrigado a submeter-se.

7. Liberdade Religiosa e a A2030

Como nos alerta numa recente Conferência sobre o tema, o especialista em Direito Religioso, Thiago Vieira: “Como se explica a ausência do tema, Liberdade religiosa, da agenda 2030 da ONU? Num mundo onde 70% das pessoas sofre de perseguição religiosa severa (não simbólica); China, Índia, Rússia, África, Médio Oriente, têm fortes restrições à liberdade religiosa. E, na Agenda da ONU, não existe qualquer preocupação em relação à liberdade religiosa”. A liberdade de crença é diferente de liberdade religiosa; A liberdade de crença é algo do foro íntimo = eu creio. A pessoa acredita, catequiza-se, baptiza-se e está a exercer o seu direito de crença. Outra coisa diferente é a liberdade religiosa, é o direito de colocar em prática, publicamente, aquilo em que se acredita; dar uma palestra, uma conferência sobre o catolicismo, sobre Jesus Cristo, numa universidade, por exemplo. O que é que tudo isto tem a ver com a agenda da ONU? “Em nenhum momento do documento”, continua Thiago Vieira, “se ouve a palavra religião; nas 169 metas houve-se a palavra “religião” apenas duas vezes, mas sempre como não podendo constituir um obstáculo à consecução da meta”.

A Religião sempre foi considerada um dos núcleos centrais dos Direitos Humanos, como um dado e um pressuposto antropológico fundamental. Por isso mesmo, sempre foi considerada como sendo algo positivo, intrinsecamente bom para a promoção da paz e bem estar dos povos. Lamentavelmente, os documentos da A2030 de 2015 expressam uma visão redutora, parcial da religião, como sendo algo não conducente à  concórdia e à paz, mas como algo gerador de divisão e conflito. É assim considerada como uma ameaça ao sucesso da A2030. Esta visão caricatural da religião está, contudo, em contradição com os próprios objectivos da A2030, pois tendo esta como fim último o pleno desenvolvimento do potencial humano, jamais poderá este ser alcançado se houver uma amputação de uma das dimensões mais estruturantes do ser humano, isto é, a sua dimensão religiosa, a sua abertura à transcendência. Constata-se, cada vez mais, nas políticas públicas, uma diminuição do tema da Liberdade religiosa. A LR tenderá, e os sinais apontam nesse sentido, a estar limitada à liberdade de culto, a qual, será progressivamente confinada ao espaço privado.

Lamentavelmente, os países mais ricos, mais influentes, mais poderosos (e mais egoístas) vão instrumentalizando as estruturas, as reuniões, as assembleias que sustentam e alimentam estes organismos internacionais, acabando por ir impulsionando, promovendo e impondo as suas próprias agendas. São objectivos, metas e compromissos que, finalmente, mais os beneficia a si próprios e aos seus interesses particulares, do que propriamente às verdadeiras necessidades das pessoas e das sociedades como um todo. As religiões, particularmente o Catolicismo e a Igreja Católica, ainda vão sendo um contrapoder com peso global significativo, que é assim, preciso, fragilizar, neutralizar, tornar insignificante. A Liberdade religiosa é uma temática à escala global, na ordem do dia; é urgente tratá-la como tal.